A trama de um plano golpista
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Um julgamento inédito na história brasileira

Pela primeira vez,
um ex-presidente da República senta no banco dos réus do Supremo Tribunal Federal acusado de crimes contra a democracia.
Jair Bolsonaro (PL) é apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como o líder de uma organização criminosa armada que tentou subverter o resultado das urnas, dar um golpe de Estado e se manter no poder mesmo com a derrota nas eleições de 2022.
Ao seu lado, outros sete acusados (civis e militares de alta patente) enfrentam o mesmo julgamento. Todos os denunciados negam participação na tentativa de golpe
Um chefe de Estado detém uma capacidade singular de influenciar a opinião pública e mobilizar parcelas da sociedade.
Dessa forma, suas declarações, especialmente quando hostis e desprovidas de base factual, transcendem o campo da crítica legítima e adquirem caráter de incitação e de desestabilização da democracia.
Segundo a Procuradoria, Bolsonaro liderou o núcleo crucial do golpe de estado, voltado a desacreditar o sistema eleitoral, incitar ataques a instituições democráticas e articular medidas de exceção. O ex-presidente, afirma a PGR, era o principal beneficiário dessa organização.
Os 5 crimes pelos quais Bolsonaro responde
2021

Segundo a PGR, a escalada golpista começa em julho de 2021
JULHO DE 2021
Live com fake news sobre urnas
No dia 29, Bolsonaro aparece em uma transmissão ao vivo ao lado do então ministro da Justiça, Anderson Torres, para apresentar supostos indícios de fraude nas eleições — acusações baseadas em informações falsas, fornecidas pelo então chefe da Abin, Alexandre Ramagem.
SETEMBRO DE 2021
'NÃO MAIS CUMPRIRÁ' ORDENS DO STF
Pouco mais de um mês depois da live contra as urnas, as comemorações da Independência no 7 de setembro viram palco de ataques diretos ao STF.
Em Brasília e São Paulo, Bolsonaro ameaça o ministro Alexandre de Moraes – que havia determinado a prisão de bolsonaristas em investigação sobre atos antidemocráticos – e insinua ruptura institucional. A Polícia Federal descreve o uso de ''modus operandi de milícia digital'' para amplificar o discurso
''Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha. Deixa de oprimir o povo brasileiro, deixe de censurar o seu povo. Mais do que isso, nós devemos, sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. Dizer a vocês, que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A
paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais.''
Jair Bolsonaro, em discurso na Avenida Paulista
5 DE JULHO
Em reunião ministerial, Bolsonaro discute estratégias para impedir a vitória do PT. O vídeo do encontro foi achado no computador do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro durante o governo.
O general Augusto Heleno fala em virar a mesa antes das eleições, e Bolsonaro é explícito: ''Vai ter um caos no Brasil se o PT vencer.''
18 DE JULHO
Bolsonaro reúne embaixadores no Palácio da Alvorada para repetir acusações sem provas sobre o sistema eletrônico de votação.
Após 1º turno: sem fraude comprovada
Em 4 de outubro, dois dias após o 1º turno, o tenente-coronel Mauro Cid troca mensagens com o coronel Sérgio Cavalieri,
militar acusado de participar do núcleo que espalhou fake news sobre o sistema eleitoral.
Cid confirma que não houve fraude, mas segundo a PF a narrativa pública contrária ao sistema é mantida com a utilização de influencers, militares e o Partido Liberal (PL).
No 2º turno, PRF dificulta votação no Nordeste
A PGR afirma que, no 2º turno da eleição, a organização criminosa voltou a agir para prolongar a permanência de Bolsonaro no poder.
Regiões onde Lula teve mais votos no 1º turno foram mapeadas, e a Polícia Rodoviária Federal foi acionada para dificultar o acesso às urnas.
No dia 30 de outubro, Lula vence com 50,9% dos votos.
Minuta do golpe 'dentro das quatro linhas' e plano para matar Lula, Alckmin e Moraes
1º DE NOVEMBRO
Começam os acampamentos golpistas em frente a quartéis, com faixas pedindo intervenção militar e prisão de ministros do STF.
O general Mário Fernandes, então secretário-executivo da Presidência, visita acampamento em Brasília e tira selfies no local. Os registros se repetem ao longo dos dias. Mauro Cid orça custos para levar mais manifestantes para os acampamentos.
9 DE NOVEMBRO
No Planalto, o general Mário Fernandes produz o documento Punhal Verde e Amarelo, que detalha plano para sequestrar ou matar Alexandre de Moraes, Lula e Alckmin.
12 DE NOVEMBRO
Militares se reúnem na casa de Braga Netto para discutir o assassinato de autoridades.
19 DE NOVEMBRO
Uma minuta de decreto prevendo novas eleições e a prisão de ministros do STF é apresentada a Bolsonaro, que pede ajustes. Versões do documento foram encontradas na sala de Bolsonaro no PL e na casa de Torres.
CERCO A MORAES
Integrantes do grupo do Exército visitam locais descritos na operação para matar autoridades, como a região do apartamento do ministro Alexandre de Moraes, e monitoram a agenda do ministro.
22 DE NOVEMBRO
PL pede anulação dos votos do 2º turno, sem apresentar prova nenhuma; Moraes aplica multa de R$ 23 milhões.
26 DE NOVEMBRO
A PF relata que Mauro Cid ajusta o teor e a forma de divulgação da carta golpista.
Em troca de mensagens, Cid é questionado, por um militar que chama Bolsonaro de '01', se o então presidente sabia do conteúdo e responde que sim.
Em depoimento à PF, dentro de um acordo de delação premiada, Mauro Cid também foi perguntado se Bolsonaro sabia da minuta e fez que sim com a cabeça. Cid afirmou também que viu o ex-presidente editando o documento.
6 DE DEZEMBRO
No Planalto, Mário Fernandes imprime o plano de assassinato. Bolsonaro e Mauro Cid estavam no palácio no mesmo horário.
7 DE DEZEMBRO
Bolsonaro apresenta minuta de decreto golpista ao ministro da Defesa e aos comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Marinha, Almir Garnier.
O texto previa estado de sítio ''dentro das quatro linhas'' da Constituição. O termo era usado com frequência por Bolsonaro para tentar dar ares de legalidade aos atos dele de ataque ao Estado democrático de Direito.
Os comandantes do Exército e da Aeronáutica se posicionaram firmemente contra a proposta e se recusaram a assinar o documento. Segundo a PF, a trama golpista não foi adiante por falta desse apoio.
Em depoimento ao STF, em maio de 2025, o então comandante da Aeronáutica confirmou que Bolsonaro participou do plano para permanecer no poder e disse que o então chefe do Exército ameaçou prender Bolsonaro se continuasse com o golpe de estado.
9 DE DEZEMBRO
Em live, o presidente rompe o silêncio:
'E hoje estão vivendo um momento crucial. Uma encruzilhada. Um destino que o povo tem que tomar. Quem decide o meu futuro, pra onde eu vou são vocês! Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês!'
Jair Bolsonaro

No dia seguinte, o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, divulga nota dizendo que ''embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas''. Segundo a PF, o relatório foi divulgado com atraso a pedido de Bolsonaro.
Operação para prender ou matar Moraes
Celulares que integrariam o grupo da operação batizada de Copa 2022 se deslocam. Um deles passa por ''locais de interesse da ação'', segundo a PF, incluindo a residência funcional do ministro Alexandre de Moraes.
Ao menos 6 integrantes 'Kids Pretos' — militares de elite do Exército — se posicionaram em vários pontos de Brasília. De acordo com a investigação, a operação foi abortada porque a cúpula do Exército não aderiu ao golpe e a sessão do STF no dia 15 acabou mais cedo.
Braga Netto manda pressionar chefe do Exército: 'Oferece a cabeça dele. Cagão'
A pressão sobre o comandante do Exército continua, Braga Netto orienta Ailton Gomes a assediar o comandante do Exército, general Freire Gomes: ''Oferece a cabeça dele. Cagão'', dizia a troca de mensagens.
A trama inclui ainda o documento ''Operação 142'', que previa anulação das eleições, substituição do TSE e prorrogação de mandatos.
Bolsonaro não passa faixa para Lula
Em 30 de dezembro, Bolsonaro embarca para a Flórida, evitando passar a faixa presidencial.
2023
Posse de Lula e desfecho do plano golpista
1º DE JANEIRO DE 2023
Lula toma posse diante de centenas de milhares de pessoas em Brasília.
8 DE JANEIRO DE 2023
STF, Planalto e Congresso são invadidos
Na tarde de domingo, milhares de golpistas invadem o Congresso, o Palácio do Planalto e o STF. Eles quebraram vidraças, destruíram obras de arte e saquearam gabinetes

A pauta era a mesma: intervenção militar e contestação do resultado eleitoral.
O comportamento de Jair Bolsonaro nas redes sociais, no dia 8 de janeiro de 2023, não altera a realidade de que foi o principal responsável pela contínua radicalização e pela criação do ambiente que possibilitou a explosão de violência naquele dia. Suas posturas ambíguas e sua ausência de ação concreta para conter os ânimos inflamados por ele próprio são indícios claros de sua contribuição para a escalada de violência.
Segundo o Ministério Público, os ataques de 8 de janeiro não foram um ato isolado, mas o desfecho de um plano gestado ao longo de dois anos, com articulação política, militar e digital para derrubar a democracia brasileira.
Para a PGR, as ações de Jair Messias Bolsonaro não se limitaram a uma postura passiva de resistência à derrota, mas configuraram uma articulação consciente para gerar um ambiente propício à violência e ao golpe.
2025
Bolsonaro preso em casa
Um mês antes do início do julgamento no STF, Bolsonaro passou a cumprir prisão domiciliar por tentativa de dificultar o andamento do processo que investiga o golpe de estado.
O ex-presidente e o filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), foram indiciados pela PF por coação.
O que dizem os réus
Afirma que a acusação da PGR é ''absurda e alternativa'', sem provas que o liguem a planos golpistas ou aos atos de 8 de janeiro. Sustenta que houve uma transição regular de governo, que ele não alterou a minuta do golpe nem apresentou documentos golpistas em reuniões, e que suas críticas ao sistema eleitoral se limitaram a opiniões políticas.
Nega ter atrasado o relatório das Forças Armadas e afirma que tentou, com outros comandantes, dissuadir Bolsonaro de atitudes radicais, chegando a propor um discurso de reconhecimento da derrota eleitoral.
Rebate a acusação de ter disponibilizado tropas para um golpe, destacando contradições em depoimentos de outros comandantes. Afirma que não houve qualquer ato de execução e que não participou de organização criminosa.
Nega envolvimento em tentativa de ruptura institucional, alegando falta de provas que o liguem a planos de golpe. Afirma que sua atuação foi apenas ''acessória e periférica'', pois já tinha pouca influência política.
Nega ser autor da ''minuta do golpe'' e afirma que a presença do documento em sua casa não tem relevância penal. Rejeita a acusação de divulgar informações falsas sobre o sistema eleitoral ou de ter direcionado a PRF no 2º turno, citando testemunhos favoráveis. Alega ainda que o caso deveria tramitar na 1ª instância, por não possuir foro privilegiado.
Nega ter orientado Bolsonaro em ataques ao sistema eleitoral ou usado indevidamente a Abin. Afirma nunca ter integrado organização criminosa e sustenta que a radicalização ocorreu após sua saída do governo, quando foi eleito deputado.
Créditos
Edição de conteúdo: Felipe Turioni
Edição de vídeo: Cadu Lando e Juliene Moretti
Pesquisa: Cadu Lando, Felipe Turioni, Juliene Moretti e Pedro Henrique Gomes
Direção de arte, interface e infografia: Bruna Azevedo, Gabs, Gui Sousa e Thalita Ferraz
Motion: Thalita Ferraz
Desenvolvimento: Guilherme Gomes
Coordenação (Conteúdo): Vitor Sorano
Coordenação (Design e Desenvolvimento): Guilherme Gomes
Fontes
Polícia Federal, Procuradoria-Geral da República, Supremo Tribunal Federal e acervo TV Globo
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